Ela, Carolina Maria de Jesus. O lugar, favela do Canindé, anos cinquenta. “Devo incluir-me, porque eu também sou favelada. Sou rebotalho. Estou no quarto de despejo, e o que está no quarto de despejo ou queima-se ou joga-se no lixo”. Todos os dias ela nos conta quantos cruzeiros conseguiu. “Eu cato papel, mas não gosto. Então eu penso: faz de conta que eu estou sonhando”. Todos os dias ela nos conta o que conseguiu comprar. “Amanheceu chovendo. E eu tenho só 4 cruzeiros, e um pouco de comida que sobrou de ontem e uns ossos”. Todo dia ela precisa catar para comprar a comida do dia. “O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A fome também é professora”. A fome que sentiu e a fome que viu nos filhos. Repete, todo dia. Ela diz que queria ter nascido homem, mas é mulher mãe de três filhos. Ela faz poesia dentro do barraco. “O céu já está salpicado de estrelas. Eu que sou exótica gostaria de recortar um pedaço do céu para fazer um vestido”. É poesia dentro do livro triste e dolorido. “Hoje em dia quem nasce e suporta a vida até a morte deve ser considerado herói”. Ela fala da vida na beira do insuportável. “Eu preciso trabalhar e escrevo nas horas vagas”. Ela é escritora. Não sei como a arte chegou no meio da fome. Mas entrou na vida dela. Ela sonha. “…eu durmi. E
tive um sonho maravilhoso. Sonhei que eu era um anjo. Meu vistido era amplo. Mangas longas cor de rosa. Eu ia da terra para o céu. E pegava as estrelas na mão para
contemplá-las. Conversar com as estrelas. Elas organisaram um espetáculo para homenagear-me. Dançavam ao meu redor e formavam um risco luminoso”. Para mim, Carolina, a estrela que peguei na mão foi o seu livro. Ele tem um brilho forte, de doer o olho e de nos fazer enxergar um pedaço grande do nosso mundo. “percebi que estava me reanimando. Quando anoiteceu eu fiquei alegre. Cantei. O João e o José tomaram parte, os visinhos ébrios interferiram com suas vozes desafinadas. Cantamos a Jardineira.”
Tiago Novaes
Anita Deak
Andrea Berriell